
Certo dia, partimos do universo das histórias tradicionais e virámos à esquerda no universo pessoal de cada um dos intérpretes.
Pelo caminho apanhámos cinco pedrinhas que são os pilares fundamentais deste espectáculo:
1 - A formalidade rígida e tipificada da história tradicional (mito, lenda, fábula, parábola, conto de fadas, etc.) e a forma como essa formalidade desperta uma qualidade no olhar do espectador e um tipo de consciência (quiçá antiga, velha e ultrapassada; quiçá intemporal, profunda e arquetípica);
2 - A liberdade criativa, a força arquetípica, a carga simbólica fornecidas pelas improvisações, pelo processo de ensaios, distendido no tempo para poder gerar maturação da criação no intérprete e pelo universo pessoal, biográfico e intransmissível dos actores/criadores.
3 – O despojamento cénico. Em palco estarão dois intérpretes, sentados em duas cadeiras, a contar histórias de sua autoria. Um tem uma guitarra e o outro não tem nada. De recursos, apenas a força do olhar, da voz, do corpo, da música, da relação criada entre ambos (estranha e magnetizante) e da articulação de todos estes elementos com a presença e dinâmica do público.
4 – A comédia de, tal como no paradoxo do ovo e da galinha, não conseguirmos distinguir se é o olhar do público sobre a formalidade, a liberdade e o despojamento cénico (conceitos caídos em desgraça em tempos hodiernos) que traz a comédia para o palco ou se é o olhar dos actores sobre essa formalidade, essa liberdade e esse despojamento cénico que levam a comédia até à plateia.
5 – A música que atravessa todo o espectáculo – ou melhor diríamos, todas as histórias – carregando consigo uma plataforma onde os actores se apoiam para conseguir chegar onde a palavra e o gesto não chegam. A música vem reforçar também a matriz urbana das histórias e consegue polvilhar, através de versões de clássicos da música ocidental, o espectáculo com referências estéticas, éticas e prostéticas.
